quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

A Volta texto passado para 4ª fase 20/02/13


A VOLTA
Luís Fernando Veríssimo

Da janela do trem o homem avista a velha cidadezinha que o viu nascer. Seus
olhos se enchem de lágrimas. Trinta anos. Desce na estação – a mesma do seu
tempo, não mudou nada – e respira fundo. Até o cheiro é o mesmo! Cheiro de
mato e poeira. Só não tem mais cheiro de carvão porque o trem agora é elétrico.
E o chefe da estação, será possível? Ainda é o mesmo. Fora a careca, os bigodes
brancos, as rugas e o corpo encurvado pela idade, não mudou nada.
O homem não precisa perguntar como se chega ao centro da cidade. Vai a
pé, guiando-se por suas lembranças. O centro continua como era. A praça. A
igreja. A prefeitura. Até o vendedor de bilhetes na frente do Clube Comercial
parece o mesmo.
— Você não tinha um cachorro?
— O Cusca? Morreu, ih, faz vinte anos.
O homem sabe que subindo a Rua Quinze vai dar num cinema. O Elite.
Sobe a Rua Quinze. O cinema ainda existe. Mas mudou de nome. Agora é o Rex.
Do lado tem uma confeitaria. Ah, os doces da infância... Ele entra na confeitaria.
Tudo igual. Fora o balcão de fórmica, tudo igual. Ou muito se engana ou o dono
ainda é o mesmo.
— Seu Adolfo, certo?
— Lupércio.
— Errei por pouco. Estou procurando a casa onde nasci. Sei que ficava ao
lado de uma farmácia.
— Qual delas, a Progresso, a Tem Tudo ou a Moderna?
— Qual é a mais antiga?
— A Moderna.
— Então é essa.
— Fica na Rua Voluntários da Pátria.
Claro. A velha Voluntários. Sua casa está lá intacta. Ele sente vontade de
chorar. A cor era outra. Tinham mudado a porta e provavelmente emparedado
uma das janelas. Mas não havia dúvida, era a casa da sua infância. Bateu na
porta. A mulher que abriu lhe parecia vagamente familiar. Seria...23
— Titia?
— Puluca!
— Bem, meu nome é...
— Todos chamavam você de Puluca. Entre.
Ela lhe serviu licor. Perguntou por parentes que ele não conhecia. Ele
perguntou por parentes de que ela não se lembrava. Conversaram até escurecer.
Então ele se levantou e disse que precisava ir embora. Não podia, infelizmente,
demorar-se em Riachinho. Só viera matar a saudade. A tia parecia intrigada.
— Riachinho, Puluca?
— É, por quê?
— Você vai para Riachinho?
Ele não entendeu.
— Eu estou em Riachinho.
— Não, não. Riachinho é a próxima parada do trem. Você está em Coronel
Assis.
— Então eu desci na estação errada!
Durante alguns minutos os dois ficaram se olhando em silêncio. Finalmente
a velha pergunta:
— Como é mesmo o seu nome?
Mas ele estava na rua, atordoado. E agora? Não sabia como voltar para a
estação, naquela cidade estranha.

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